sexta-feira, 31 de outubro de 2014

CAMISAS NEGRAS

Os camisas negras se adornam
com símbolos de uma pátria midiática.
Braços estendidos exaltam
os heróis da nação:
homens que aniquilaram índios,
que escravizaram negros africanos,
militares que deram golpes de Estado,
empresários que exploram trabalhadores,
latifundiários que saqueiam camponeses,
jornalistas que exaltam o mercado,
historiadores e sociólogos que justificam
esse moto-perpétuo degradante.

Os camisas negras entoam cânticos,
versos parnasianos mal cadenciados.
O mais puro verde, amarelo, branco, azul anil,
brados retumbantes deitados em berços de ouro,
corpos esculpidos em academias esplêndidas,
cabelos cortado rente ou raspados totalmente.
Esse país é nosso, falam!
Ele é branco, branco, branco,
do mais puro branco.
Esse país é nosso, gritam!
Ele é homogêneo e não tolera miscigenação.

Os camisas negras
desfilam com bandeiras brasileiras.
Ordem e Progresso,
individualismo e sucesso.
A meritocracia das mesas fartas:
para os vencedores as batatas!
Aos amigos a Justiça,
aos inimigos a Lei.

Os camisas negras
erguem as mãos para o céu
e clamam a Deus,
Pátria e Família.
Oram exaltados, olhos vidrados.
Abençoada seja a propriedade privada
Louvada seja a mais-valia.
Livrai-nos Senhor,
de Marx, Engels, Lênin, Stalin, Che Guevara e Fidel.

Os camisas negras empunham
estandartes de ódio, faixas e cartazes.
Slogans construídos pelo senso comum.
Marcham juntos e compactos
engravatados e fêmeas em êxtase perfumadas.
São um minúsculo ponto perdido, 
a escória elitista a procura
de um Führer salvador.




REACIONÁRIO

O reacionário
pensa
          pelos intestinos,
fala
       pelo aparelho excretor.
Mórbida biologia
onde tudo
                  é esgoto.
O cérebro atrofiado
transformado
                        em escroto.

Tibor Wonten, 28 de outubro de 2014.

FRASEOLOGIA

Quero distância do formalismo
das palavras constantemente repetidas.
Discursos vazios sem sentido
onde verdades são sempre escondidas.

Insossa é toda essa fraseologia
onde o dito fica pelo não dito.
E quando das letras se percebe a fisiologia
quem não finge ser cego torna-se maldito.

Tibor Wonten, 22 de outubro de 2014.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

BANQUETE DOS SUPLICIADOS

Todo ano eles comemoram seu dia
no mesmo mês, na mesma hora.
A carne é fresca e farta é a bebida
regada com discursos de despedida.
As mesmas cenas do mesmo melodrama
desfilam no espaço do anfiteatro.
O menestrel conduz a orquestra:
as mesmas músicas, os mesmos ébrios,
um coral de vozes que desafina.
Mas lá no fundo do fundo há o desgosto
um vazio profundo rasgado no peito
formalismo visível na infinidade de rostos
uma vontade incontida de não estar ali.
A mesa está posta, os convidados se atiram
rangem garfos, facas, pratos e copos
no banquete dos supliciados.
Conversas paralelas em forma de lamento
fatos banais, assuntos sem cabimento
e no final cada qual para o seu lado
pois amanhã é mais um longo e monótono dia
onde tudo teima e insiste em se repetir:
a eterna roda viva do sofrimento.


Outubro de 2014.

 

PORCOS

Porcos se acotovelam no chiqueiro
quando abocanham a lavagem de cada dia.
Porcos com o estômago preenchido
ficam felizes pelas migalhas ofertadas.

Dóceis porcos.
Em sua estupidez não compreendem:
estão sendo iludidos e engordados,
pois em breve irão para o abate.

O final é sempre o mesmo.
Acabam dependurados e vendidos
para a sublime satisfação de seus donos.
Nem tudo o que é ofertado é gratuito.
Geralmente seu preço nada mais é
do que a perda da própria alma.


Outubro de 2014